AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ
Por Foca
Como é que eu vou esquecer? Lembro como se fosse hoje de alguém vindo comentar comigo que um artista major, com um single de sucesso nas rádios brasileiras e que morava aqui em Natal, tinha feito piada com meu nome e com o trabalho do Dosol numa festa. Muitos dos que estavam na roda e deram risadas às minhas custas são (ou se diziam ser) também meus amigos. Não guardei rancor. Continuei em frente engolindo o choro, mesmo que aquilo tivesse me magoado, e hoje estamos aqui, frente a frente eu a as majors.
Todo esse papo introdutório é para comentar uma curiosa e inevitável mudança dentro do mercado e que tem sido encarada de maneira totalmente diferente por todos os lados. Que papo reclamista é esse, de dizer que com o fim das gravadoras, os núcleos organizados da música são os novos inimigos do mercado? Que inversão de valores é essa?
O primeiro fenômeno desses novos tempos são os “artistas”, aquela entidade superprotegida pelos empresários, gravadoras e produtores. Hoje, eles estão virando gente como a gente. Já viram a quantidade deles pedindo “ligue para as rádios” no twitter? Respondendo coisas no formsprig ou em outras redes sociais? Já viram quantos deles estão nos fóruns respondendo provocações em blogs e sites? Sim, amigos. As entidades realmente existem, não são mais irreais, inumanas ou aquele objeto da imaginação comunitária que povoava a mentalidade da massa brasileira através da TV ou da rádio pop.
Amigos, isso não é uma crítica. Acho ótimo o artista que põe a mão na massa, que vai para a linha de frente do seu trabalho, que toma conta da sua vida e da sua obra sem ter que estar “vendendo” ela para seu ninguém. Seria ótimo que fosse assim desde o princípio mas, por muito tempo, a mentalidade do músico brasileiro não foi essa. Agora, é obrigação. Mesmo quem critica o fim do mercado, o download, a falta de comprometimento do público com os trabalhos (shows vazios) ou mesmo a falta de memória musical, no fundo sabe que o jogo virou e desculpem, virou para melhor.
A previsão do “1.000 para 100 em vez de 100.000 para 1” começa a tomar conta do mercado e é lógico que quem estava se dando bem com a situação anterior vai reclamar. Todos querem defender seu quinhão, então vale a “grita”.
Curioso mesmo é ver a massa reclamista de plantão, essa famigerada vertente que não mexe as cadeiras nem por decreto, mudar o foco da reclamação, apontando o alvo para quem SEMPRE TRABALHOU POR UMA MUDANÇA DE LÓGICA NO MERCADO. Sim, os mesmos caras que se diziam contra o jabá, contra a prática das gravadoras deixando o resto do mercado à míngua e que se diziam a favor da cena independente, são quase os mesmos que hoje reclamam dos festivais, das redes, das organizações coletivas e afins.
Chegamos à conclusão de que o coro dos descontentes nunca vai ter fim. Agora, até mesmo alguns “grandes artistas” começam a engrossar o grito por espaço. O mundo dá muito volta né, não? É uma triste constatação.
Faço festivais há 15 anos, comecei no undergound: 2 caixas ciclotron para todo mundo. Ninguém investiu um real na minha carreira de músico ou produtor a não ser minha amada mãe que me deu um microfone Leson quando resolvi cantar rock. Larguei minha faculdade, fui empreender na música, cantei na noite, tomei calote, prejuízo, fiz amigos, alimentei uma rede de contatos, montei meu trabalho durante quinze anos, tijolo por tijolo, fio por fio, acorde por acorde.
Quase todos os caras que estão nas listas sendo alvo da massa reclamista de plantão tem esse mesmo histórico. Sabe o “Paulo André não me ouve”? Aquele do Abril Pro Rock? Dirigiu Kombi de pizza nos EUA para sobreviver e ouvir thrash metal bay area no seu nascedouro. Viu festivais de rock indie por lá e trouxe o modelo pro Brasil. Pablo Capilé cantava em banda em Cuiabá, rapidamente percebeu que se ele deixasse a sua banda de apoio sozinha seria melhor. A banda de apoio era o Macaco Bong. São centenas de exemplos.
Comparar o que essa galera de hoje está fazendo e criando, com o que as gravadoras sanguessugas fizeram durante anos na música brasileira é de uma burrice sem tamanho. Estamos criando mercado médio, com uma relação de respeito e amizade mútua com artistas e produtores. Alguns deles se sentem agredidos com essa relação igualitária. Faz parte.
Aqui no modesto Dosol, já vi bandas crescerem, arrumarem empresários, irem pro outro lado do jogo e voltarem. Umas com dignidade, outras nem tanto. Só para citar como exemplo, artistas como Pitty, Fresno, Detonautas e NX Zero, todos major com seus méritos (independente da questão filosóficas e de gosto pessoal) já se utilizaram da nossa estrutura quando ainda eram artistas em crescimento, atrás de um palco para tocar e foram muito bem recebidos como os quase 6.000 artistas que já fizeram shows em nosso festival ou centro cultural.
Sempre estivemos aqui para isso, num movimento sólido e de crescimento real para a música brasileira. Sempre investimos na diversidade e no novo, quando ninguém mais queria fazer isso. Nem peço senso de justiça para quem não conhece nossas histórias no meio independente, e também nem exijo que todos conheçam o que fazemos. Reclamar é da natureza das pessoas, o coro dos descontentes sempre vai estar aí. Mas através deste texto dá para esclarecer as coisas pelo menos para uns três ou quatro. Nossa batalha sempre foi de “formiguinha” e não vai ser agora que vamos mudar, beleza?
PS: Não sei o que anda fazendo o cara major que fez piada do meu trabalho. Ele não está mais no mercado há anos. Eu continuo aqui fazendo as mesmas coisas de sempre, maior e melhor a cada dia.
Anderson Foca está a frente do Centro Cultural DOSOL e toca nas bandas Camarones Orquestra Guitarrística e Rejects.
(Texto originalmente publicado em http://www.dosol.com.br/)
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