terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Fogo no Cerrado 2009 - pegou, e forte!





Impossível não sentir saudades ao lembrar das duas noites da programação do Festival Fogo no Cerrado 2009. O festival independente é realizado pelo coletivo Bigorna Produções e sua segunda edição foi nos dias 4 e 5 de dezembro, no Toca Espaço Bar, em Campo Grande.

De rockão progressivo ao moderninho, de punk ao dub, as bandas fizeram o público ferver, fritar, ficar cozido e todas as outras analogias ligadas ao poder de fogo que tem a música boa. Ao todo foram 24 bandas. Entre elas Móveis Coloniais de Acaju (DF) e Inocentes (SP) que são desses shows de encher os olhos, os pulmões de ar, a cabeça de lembranças inesquecíveis.

Não só eles, mas muita banda legal mostrou presença e marcou sua pegada nesse brejão. Tipo Hierofante Púrpura, Capim Maluco e Ecos Falsos, conterrâneos de São Paulo, Wolf Attack (PR) e Inimitáveis (MT). As bandas locais (integrantes do coletivo Bigorna e convidadas) seguraram com responsa o dever de representar uma amostra do que é produzido por aqui e ainda encarnar o anfitrião para receber com carinho a galera de fora.

Para fechar, o público não se intimidou com o clima chuvoso, nem mesmo perdeu fôlego quando de frente com a maratona de shows noite afora, madrugada adentro. Ou seja: lindo, massa demais.

Festival que começou modesto na sua estréia em 2008 - mas nem por isso menos caliente - o Fogo no Cerrado sem dúvida cresceu e este ano se estabelece como um evento de música independente que é importante para a cultura urbana de Campo Grande.

Bigorna Produções manda avisar: Fogo no Cerrado é feito para todos, na raça, e as próximas edições que estão por vir já carregam o desejo de superar as anteriores. A seguir, um aperitivo para quem não pôde ver o Fogo no Cerrado 2009 de perto.



Sexta-feira (4), primeiro dia de Festival, aquela comoção para que tudo desse certo. Assim foi. A banda campo-grandenses Repúdio CxGx abre os trabalhos da noite e mostra o peso da revolta da perifa de Campão com seu punk-rock. Snorks (MT) vem na sequência. Acompanham Repúdio no punk-rock, bem tocado e em afinação com bom-humor.

Depois vem Wolf Attack (PR). O power-trio mostra sua mistura raivosa de progressivo, punk e blues com vocais que lembram mesmo uma matilha de lobos, prestes a atacar. De deixar o público boquiaberto; a performance é marcante. Ponto super high: baixo tocado no colo, grunhidos tirados com um copo de vidro e muitos aplausos.

Na sequência, a também local Facas Voadoras dá o recado e nem precisa argumentar porquê é queridinha nas timelines de festas da cidade e festivais Brasil afora. Faz um showzão.

Desde esse momento os fãs do Inocentes, atração especial da noite, esperam na maior ansiedade o show. Na hora que a banda começa a aglomeração na frente do palco e dezenas de mãos para o alto quase escondem a visão dos músicos que estão nessa pegada desde o começo da década de 1980.



Inocentes é arrebatador. Impossível assistir a apresentação sem pirar o cabeção. Tanto que o vocalista Clemente chega a parar uma música no meio para solicitar um "menos aí galera, senão a gente não consegue tocar porque vocês nos derrubam". Como se fosse possível algum menos. Lindas combinações de timbres de guitarra e revival de sucessos como "O Homem Negro" e "Cala a Boca" embalam a bateção de cabelo e rodinhas de pogação. Punk is not dead!, definitivamente.



Capim Maluco é a banda da sequência, sem deixar o clima esfriar. Rock de garagem, com gritaria na medida pelo vocal Rafa, guitarra estridente e baixo swingado. Para fechar, bateria alucinada, lisérgica. Tudo bem que as tentativas de descrever o som dos caras nem sempre funcionam. Sei que o show é fodão, na certa um dos melhores do festival. Um cover de Queens Of The Stone Age é o ultimato para conquistar os que ainda não tinham sido tomados totalmente pela apresentação (se é que ainda havia alguém nessa).

Brown-Há traz de Brasília (DF) o rock moderninho e cinco guris afinados na performance. Os beats são dançantes e as letras falam de curtir a vida. Destaque para o diálogo entre as guitarras, como num jogral divertido, e para a desenvoltura do vocalista no palco, todo pulante, serelepe. Som bom para festa.



Mudando de pato pra ganso, como diz meu pai, depois vem o blues puro do Bêbados Habilidosos. O quarteto campo-grandense é hit em qualquer lugar onde se tenha que seja meia dúzia de cabras, imagina num festival. Visitantes e músicos de bandas convidadas que ainda não tinham visto ao vivo gostam e é um burburinho só depois do show. Renatão arranhando a noite com suas letras que só bluesman de verdade sabe fazer acompanhado por Marcelão, Rodrigo e Erik na maior sintonia.

Por fim, o trio da Jennifer Magnética fecha a primeira noite do Fogo no Cerrado 2009. Clima de comemoração à la churrascão para os amigos misturado com expectativas grandes para o dia seguinte.

A SEGUNDA NOITE

As bandas campo-grandenses Santo de Casa e Midnight Purple fazem os primeiros shows da segunda noite do Fogo no Cerrado dando start no sábado inesquecível que começa. Com vocal fofo do casal Lu Kreutzer e Rodrigo Kampa, Santo mostra seu pop romântico com influências de bandas como Mutantes. Midnight Purple recebe generosos elogios por um dos seus primeiros shows ao vivo - há cerca de um ano a banda faz divulgação massiva de seu material pela web e já aglutinava ansiosos por sua performance.

Inimitáveis, da quentíssima Cuiabá (MT), conquista o público e ponto final. Ao fim da apresentação dos elétricos guris de terno preto o comentário é "show animado e envolvente". Resultado de combinação de rock autoral com influências da saudosa jovem-guarda, que muita gente do público nem viveu, o que não é empecilho para a empatia imediata. O carisma do vocalista Dênis é uma das marcas da banda.

Gobstopper, também campo-grandense, enche o palco com sua melodia doce e óculos 3d. Elizeu, Marcel e Leco embalam dancinhas e muitos cantam junto com "Te Esperar", um dos sinceros hits do trio e saem aplaudidos e também elogiados.


Hierofante Púrpura, de São Paulo, tem letras escritas como se fossem calculadas, guitarra lamentosa e bateria enérgica que arrebatam os ouvintes logo nas primeiras músicas. O entrosamento de Hugo, Danilo e Sérgio é evidente. Danilo, no vocal e baixo, é puro sentimento e parece poder ter um troço a qualquer momento. E tem. Um êxtase em pleno palco. Lindo de assistir. Hierofante Púrpura é indie; uma grande e rica banda.

Ao fim do show da Hierofante, o público, esperto que só, já se aglomera na espera do Móveis Coloniais de Acaju, que vem na sequência. A marca principal do Móveis é a alegria que os caras levam por onde passam. Comportam-se como uma família fora e dentro do palco e a galera se apaixona por essa relação. O melhor é que eles deixam qualquer um fazer parte dela.



Por isso, quando os acordes da primeira música começam o que se vê são rostos emocionados, curiosos, olhares fixos no palco. André, o vocalista, canta junto e para quem canta com ele. O grupo todo é impecável tanto na qualidade musical, quanto na performance. Fruto de muito ensaio e estrada - Móveis Coloniais de Acaju é uma das bandas que mais viaja o Brasil fazendo shows.

No trombone, Xande mostra que não o palco não é limite. Entra no meio do bolo de gente que se mantém coeso o show inteiro, sobe no balcão do bar, sem parar de tocar e dançar. Junto com ele e o vocal André, Beto, Edu, Paulo, Esdras coordenam as coreografias junto com o público.

Ao fim da participação de Móveis Coloniais de Acaju no Fogo no Cerrado, todos são convidados para formar uma grande roda, mesmo que distante do palco. Uma das cenas mais belas do Festival, e talvez dos shows que os campo-grandenses já viram. Móveis marca por onde passa e é um prazer presenciar a festa que eles promovem.



Depois de Móveis vem Ecos Falsos, também da capital paulistana. Os guris mostram o mojo da nova formação da banda e também uma evolução incrível na pegada das músicas, que já eram boas. O som é completo e bem produzido. Duas guitarras preenchidas ora com teclado e efeitos eletrônicos, ora com violão folk.

Sem falar na batera do Davi, sempre marcadona, dá o peso ideal para as músicas. Mas uma das grandes diferenças dessa nova fase da Ecos está no baixo, agora no comando de Vini, recente aquisição da banda. Muito bom de se ouvir, gracias Ecos Falsos.



Louva Dub toca o barco depois de Ecos. A afinadíssima Lauren Cury entoa canções que falam de amor, de "plantar agora pra poder colher depois", acompanhada da banda sempre poderosa. A mistura de dub - um dos ritmos derivados do reggae - com o que chamam por aí de nova MPB é certeira e encanta o público. Coisa comum de se ver em Campo Grande (Louva Dub é orgulho da terrinha). Xande, o trombone da Móveis Coloniais de Acaju, não se contém e pede permissão para tocar com os dubistas enquanto o restante do grupo se balança na frente da Louva.



Louva Dub ainda promove uma jam entre integrantes da banda com os remanescentes da Curimba que ainda está no local e era uma das escaladas da noite. A experiência resulta num som fino e camaradagem no palco.

Dimitri Pellz, que sabe botar fogo mesmo quando a brasa parece morrer, é a última banda. Recebe os reforços de Vini e Davi (Ecos) que completam o time, um no baixo e outro nas pirações eletrônicas. Mesmo com o dia já claro, anunciando a despedida do fogaréu, ainda tem gente para bater cabelo com Dimitri Pellz. Uma das melhores formas de catarse e de se terminar um festival.

É, acabou o Fogo no Cerrado 2009. Com gargantas roucas, pernas e pés doloridos, sintomas de quase gripe de tanto trabalho e curtição. Vale a pena cada analgésimo e anti-térmico. Porque, não só cada show vale a pena, mas a oportunidade única que é participar de um Festival. Benefício tanto para o público, que passa duas noites imerso em música sem fronteira de estilo, quanto para os músicos, que podem conhecer outros sons e trocar experiências.

Troca, intercâmbio. Nesses tempos de internet, novas tecnologias e redes sociais a lição que um Festival deixa é que o material humano e a arte ao alcance dos ouvidos, olhos, mãos, seja lá que tipo de contato for, é ainda algo valioso e indispensável para quem se interessa por cultura. O que parece é que o Fogo no Cerrado sabe disso, como um organismo que não pode e não vai parar de produzir, de existir.

Em nome do coletivo Bigorna Produções o agradecimento sincero a todos que acreditam, apóiam e participam dessa idéia. Em 2010 tem mais.

Texto: Manuela Barem
Vaca Azul e Bigorna Produções

Fotos: Vaca Azul











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