A ESTRADA: DIMITRI PELLZ no VACA AMARELA
Uma saga de 3.000 alqueires desbastados com um facão sem fio. Tinha tudo pra dar errado e começo a escrever esse relato de uma posição temporal digna de cautela: à 200 km de Goiânia dentro de um carro substituto – já que o primeiro, mesmo saído da revisão, cuspia água pra todos os lados e nos deu uma canseira de 3 horas até conseguirmos outro. Na insistência de ainda participar do Vaca Amarela -; com nosso poderoso guitarrista substituto – já que por conta de mil pontos ainda em discussão os sonhos infantis de Dimitri Pellz começam a amadurecer mesmo sem a nossa autorização e o guitarrista original da banda abdicou do posto -; com algum dinheiro substituto – já que deveras essas viagens tem nos consumido o orçamento e o banco é nosso salvador e algoz ao mesmo tempo -; sem dormir há mais de 24 horas sendo 10 delas passadas dentro do carro e, ainda sob qualquer olhar mais ingênuo isso seria um forte prenúncio de coisa errada... O pneu furou. E lá vamos nós com nosso pneu substituto e ainda assim rindo muito. Curtindo horrores. Esperando e projetando um ótimo show.
Bem... Estava vazio. Começo de uma noite que iria ser cheia. Mas os cotovelos, por mais que poucos se aglomeraram. Os olhos se juntaram mais perto do palco. E por um momento fomos reis. Reis no nosso trono descalço. E é nessas horas que lembro do quanto é bom pertencer a esse grupo. O mal intitulado e famigerado independente. Já que dependemos de tantos fatores pra continuar.
Dignidade é bater pedras pra produzir fogo. Enquanto outros perderam a habilidade das mãos usando isqueiros oportunistas e viciantes. Desconfio também das mãos, das pedras... Qualquer ação quando se torna involuntária, qualquer estrutura quando vislumbra um padrão tem de ser vítima da desconfiança. Um respiro impertinente de algo que pode sim ser extremamente miserável: nosso instinto de sobrevivência. A cama, a comida e um copo de água podem muito bem se tornar um castelo, um banquete e cristais que carregam vodka, sem que a gente se dê conta disso. Mas estamos aí na luta erguida e deitada de nossos dias.
A vaca, que lá estava amarela (aqui costuma ser azul), está de parabéns. Depois do nosso show o público que era reduzido triplicou... Quadruplicou. E como os cotovelos também quadruplicaram quase não deu pra ver muitos shows depois do nosso. Muito bom. Muito bom ver casa cheia. Ouvir gritos rasgados para as bandas locais. Vai Johnny Suxxx and The Fucking Boys! Vai MQN! Uma pá de bandas que não conhecia. Perdoai minha ignorância.
Foi só então que os músculos relaxaram e até as convicções políticas se afrouxaram pra deixar de falar em formas de conseguir sobreviver em selva de cães e poder deitar com lobos. Poder rir mais... E melhor. Pois o riso é pai de todos os santos e comete todos os pecados. Até o de rir de si mesmo. E assim foi o resto da noite... Até amanhecer, arrumar malas e partir. Rápido como um foguete e se tem o nome Dimitri gravado pode ser que seja russo.
Murphy nos testou, mas acima de todas as probabilidades também se faz música com matemática. Todos os sonhos sobre reconhecimento e retorno financeiro se dissipam na única verdade da viagem. Aquela que nos é lembrada sempre que pegamos à estrada. Como ouroboros a viagem se encerra nela mesma. Sem fotogramas que congelem ou palavras que definam o que possivelmente nem a gente entende direito: A ESTRADA PASSA POR NÓS. Valeu Goiânia. Valeu Vaca Amarela. Espera que Dimitri volta: Forte como um bravo, selvagem como um lobo, resistente como um tronco e risonho como um panda.
Maíra Espíndola
Vocalista do Dimitrão
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